Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me
para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco,
foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da
glória. Durante a minha trajetória artística tive
vários amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas
acabavam fugindo com outros, deixando-me a saudade e a
dor. Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da
primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio a ser
mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu
cantava A Força do Destino, ela fugiu com outro,
deixando-me uma carta, e na carta um adeus. Não pude
mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo,
me havia deixado um pedacinho de seu eu: a minha
filha. Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o
dever de educar. Voltei novamente a cantar mas só por
amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita...
E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A
Força do Destino, Deus levou a minha filha para nunca
mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo,
passando dos teatros de alta categoria para os de mais
baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em
pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada.
Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha
desventura, chamam-me ébrio. Ébrio...